Um levantamento do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) identificou que ao menos 18.383 alunos dos programas de bolsa de estudos Universidade Gratuita e Fundo Estadual de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior Catarinense (Fumdesc) estão matriculados sob algum indício de irregularidade. As inconsistências detectadas podem representar um risco de R$ 324 milhões aos cofres públicos.
Os dados, referentes aos 34.254 alunos inscritos nos dois programas no primeiro e segundo semestre de 2024, foram apresentados nesta quarta-feira (11), em sessão do TCE/SC, pelo conselheiro substituto Gerson dos Santos Sicca, relator temático da Educação no órgão. Segundo Sicca, “a clareza sobre os objetivos da política pública é determinante para a fixação de bons critérios de seleção, que evitem injustiças, assegurem o atendimento da população alvo e minimizem os riscos de fraudes”.
As irregularidades apontadas são:
- 4.430 casos de renda incompatível com as exigências dos programas;
- 15.281 divergências em relação ao patrimônio declarado;
- 1.699 casos de vínculos empregatícios não comprovados;
- 335 casos de alunos que não são naturais de Santa Catarina ou que não residem no Estado.
O presidente do TCE/SC, conselheiro Herneus De Nadal, destacou que é fundamental refinar os dados e confirmar os indícios identificados. “Se confirmado, teremos a responsabilização desses atores que praticaram essa possível conduta condenável sob todos os aspectos”, afirmou. Ele também defendeu a atuação conjunta com a Secretaria da Educação, a Controladoria-Geral do Estado, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e a Receita Federal.
O diretor-geral de Controle Externo do TCE/SC, Sidney Tavares Júnior, que apresentou os dados antes da leitura do voto do relator, frisou a necessidade de fiscalização contínua por parte do Estado. “É preciso haver garantias de que haja controle pleno sobre as regras e que os alunos efetivamente matriculados estejam cumprindo os requisitos necessários, e não tirando o lugar de outro estudante elegível à bolsa.”
Segundo o TCE/SC, os casos mais relevantes serão encaminhados ao MPSC para apuração. O órgão também está avaliando os mecanismos de controle adotados pelo Governo do Estado e pelas instituições de ensino superior beneficiárias. Em 2024, foram analisados 131 cursos de 174 polos pertencentes a 59 instituições.
O conselheiro vice-presidente do TCE/SC, José Nei Ascari, apontou que as irregularidades não se limitam a eventuais fraudes por parte dos alunos. “Parece igualmente claro que há falhas no próprio processo de concessão e de fiscalização, atribuídas tanto às instituições educacionais quanto às estruturas do governo.”
Já o conselheiro Aderson Flores reforçou que o principal ponto em discussão é o cálculo do índice de carência dos beneficiários. “Essa melhoria exigirará ações tanto do Poder Legislativo quanto do Executivo estadual, especialmente da Secretaria de Educação”, disse, afirmando que o voto do relator oferece subsídios importantes para esse aperfeiçoamento.
O conselheiro substituto Cleber Muniz Gavi comparou a situação com o que ocorreu com o programa Bolsa-Família em 2023, quando o TCU identificou inconsistências no Cadastro Único. “O que se vê nessas políticas públicas é a necessidade de fiscalização e monitoramento constantes, como auxílio ao Poder Executivo.”
Casos exemplares identificados pelo TCE/SC:
Alguns casos identificados:
– Aluno pertencente a grupo familiar proprietário de carro de luxo avaliado em R$ 600 mil;
– Aluno pertencente a grupo familiar proprietário de carro de luxo avaliado em R$ 547 mil;
– Aluno pertencente a grupo familiar proprietário de carro de luxo avaliado em R$ 735 mil;
– Alunos pertencentes a sete grupos familiares com empresas de capital social entre R$ 10 milhões e R$ 21 milhões;
– Aluno pertencente a grupo familiar com imóvel avaliado em R$ 30 milhões;
– Aluno pertencente a grupo familiar com imóvel avaliado em R$ 29 milhões;
– Alunos com grupos familiares donos de lanchas e motos aquáticas com preços variando entre R$ 80 mil e R$ 202 mil.
Critérios de seleção dos programas A Lei Complementar 831/2023 (Universidade Gratuita — UG) e a Lei 18.672/2023 (Fumdesc) possuem regras semelhantes. Ambas foram sancionadas em 31 de julho de 2023.
O Universidade Gratuita é voltado a cursos de graduação em fundacões e autarquias municipais universitárias e entidades sem fins lucrativos de assistência social, com bolsas integrais. O Fumdesc atende instituições de ensino superior privadas ou universitárias diversas, com bolsas integrais ou parciais.
Critérios comuns de seleção:
- Renda familiar per capita;
- Situação de desemprego do aluno ou responsável;
- Bens do grupo familiar;
- Número de pessoas no grupo familiar;
- Ser natural de SC ou residir no Estado há pelo menos cinco anos;
- Renda familiar per capita inferior a oito salários mínimos (Medicina) ou quatro (demais cursos).